sábado, 24 de maio de 2008

Eduquês

Já não suporto ler ou ouvir a palavra "eduquês". Teve graça, quando dita pela primeira vez pelo ex-ministro da Educação, Marçal Grilo. As leituras e aplicações que se têm feito desta "graça" de Marçal Grilo é que me parecem perversas. De facto, criticam-se e põem-se em causa teorias pedagógicas e didácticas (e hoje, felizmente, todos têm a liberdade de o fazer), como se fossem um "produto da época". Afinal, sempre houve teorias educacionais em todos os tempos. Curiosamente, antes do 25 de Abril, era obrigatório fazer um Curso de Ciências Pedagógicas para se poder entrar no estágio profissional e ser professor profissionalizado. Eu tive de passar por isso e, no estágio, tive seminários de Gestão Escolar (para aprender como se organiza uma biblioteca escolar, como se fazem os horários ou como se organiza um serviço de acção social na escola, por exemplo). E o que eu aprendi com o mestre Rómulo da Carvalho!
Muitos dos que hoje o endeusam, não sabem que ele achava importante que um professor soubesse estas matérias, para além do Princípio de Arquimedes ou das leis de Ohm ou de Newton. Para ele, era indiferente que o estagiário apresentasse os planos de aula manuscritos ou escritos à máquina; pecado dos pecados, ele exigiu que os trabalhos de estágio (de Didáctica Geral e Didáctica Especifica) fossem trabalhos de grupo. E até tínhamos de ser sujeitos a Exame de Estado para concluir a profissionalização. Mas isso foi no tempo da outra senhora...
Agora é que está errado andarmos para aí a estudar coisas que não têm interesse nenhum para quem tem como principal dever dar aulas (ou vender, conforme a postura).
De acordo com muitas das nossas "cabeças pensantes", os teóricos (em Educação, claro!) não deviam existir; eles são os vírus que contaminaram e são responsáveis por todos os males da educação em Portugal. Não são importantes a Psicologia do desenvolvimento, a História da Educação, a Sociologia da Educação, etc. etc.?
E a discussão baseada no confronto entre a teoria e a prática não poderá ser benéfica e renovadora?
Mas a questão será esta? As teorias talvez não estejam erradas, as condições da sua aplicação é que não são as necessárias. Será que o "chumbo" deve ser excepção ou devem criar-se condições para que ele o seja? Há países onde, no equivalente ao nosso primeiro ciclo, os alunos com dificuldades de aprendizagem têm períodos de apoio com outro(s) professor(es), para poderem "apanhar o combóio"; se assim não for, ficam eternamente numa estação sem ligação com qualquer outro combóio.
Custa-me muito que muitas das atitudes mais "ácidas" contra as "teorias" partam de gente ligada às ciências, quando a teoria é essencial à Ciência. Se pensarmos no pai da Ciência Moderna, Galileu, as suas teorias resultaram da observação; já Einstein, teorizou primeiro e só depois, muitos anos depois, houve a confirmação das suas teorias. Toda a teoria é aceite até se encontrar um fenómeno que não é explicado por ela; assim, há que encontrar uma nova teoria que explique esse fenómeno e todos os outros antes explicados pela teoria anterior. E há teorias que levaram séculos a destronar e, mesmo assim, ainda são válidas para alguns fenómenos. As teorias de Galileu e Newton são ainda hoje aplicáveis a fenómenos mecânicos observáveis no nosso dia-a-dia, no âmbito da Mecânica Clássica; já o não são ao nível ínfimo da matéria, entrando-se no âmbito da Mecânica Quântica. Se Galileu deixou cair diferentes corpos do cimo da Torre de Pisa que não chegaram ao solo ao mesmo tempo, ele não duvidou da sua teoria de que os corpos, caindo da mesma altura, chegam todos ao mesmo tempo ao solo; tentou encontrar um explicação para o facto observado e encontrou-a. Analisou as variáveis presentes e criou as condições necessárias para que a experiência resultasse, conseguindo provar a sua teoria.
Nas Ciências Humanas, as variáveis não são tão fáceis de controlar; daí que seja difícil comprovar as teorias, mas há estudos de caso que permitem um grau razoável de fiabilidade. Criem as condições e...deixem os teóricos trabalhar!
Prometo que um dia destes falo de "economês".

3 comentários:

Alberto Que Se Ri disse...

Se os teóricos da educação são mal visto por parte da comunidade académica ligada à área das ciências, não é menos verdade que estes últimos (muitas vezes por culpa própria, é certo) têm sido sistematicamente postos de lado nas imensas reformas levadas a cabo nos últimos anos. Por exemplo, que sentido faz elaborarmos programas de matemática sem a colaboração daqueles que ao longo da sua vida mais se dedicaram e mais se apaixonaram pela dita?

Se queremos extrair da prática alguns dados concretos sobre a influência dos teóricos da educação nos centros de decisão, a conclusão é só uma:

Os alunos hoje sabem menos do que há 20 anos atrás.


Não há volta a dar. Dizem-me que têm outro tipo de competências: novas tecnologias, blá, blá... Mas isso não lhes é ensinado pela escola. É consequência das alterações da sociedade. Dizem-me que isso se deve à massificação do ensino. O tanas! Há vinte anos o numero de alunos que se candidatavam à Universidade era muito maior número que hoje em dia.

Estes são os únicos dados concretos extraídos da experiência: há vinte anos atrás um estudante aprendia o método de indução matemática no secundário - hoje não; há vinte anos um estudante aprendia as funções trignométricas
e suas inversas no secundário - hoje não; há vinte anos os estudantes aprendiam com o rigor o conceito de limite - hoje não.

Dizem-me que não podemos deixar ninguém na estação. Mas para isso é preciso sacrificar a inteligência dos outros? Onde está o ensino profissional? Há quarenta anos muitos que acabavam o 9º ano sabiam fazer coisas úteis: carpinteiros, desenhadores, mecânicos. E agora?

Penso que experimentar num tubo de ensaio não é a mesma coisa que experimentar em gerações de crianças. Cada reforma deveria ser pensada calmamente, durante anos ou décadas, se necessário. Não digo que hoje tudo esteja pior que há décadas atrás, ou que antes tudo era bom. Mas nada melhora enquanto não reconhecermos os malefícios da influência excessiva dos teóricos da educação no nosso sistema de ensino.

um abraço

Rui Pacheco

map disse...

Olá Rui!
Gostei muito do seu comentário. E concordo com muito do que diz.
A minha "defesa" da teoria é de princípio. Mas é na aplicação que está o problema. E posso garantir-lhe, pelos meus 38 anos de serviço em Educação, que a maior parte das teorias não têm sido aplicadas. Faz-se de conta que se aplicam. Porque não se conhecem os seus fundamentos ou não há condições para serem aplicadas. E não se avaliam resultados. E reforma-se o que não se sabe se deve ser reformado, porque não teve tempo de ser avaliado. Reforma-se porque muda o partido do governo ou, simplesmente, o ministro (e, com ele, os secretários de estado, como manda a Administarção Pública portuguesa).
Eu dava nos primeiros anos em que leccionei, só no 6º ano (actual 10º), o dobro da matéria que dava nos últimos anos no conjunto dos 10º e 11º. Os alunos que tinham C. Físico-Químicas chegavam (até 2005, pelo menos)ao 12º ano, tendo estudado apenas Mecânica (também a lei de Ohm e a de Joule, na Electricidade!). Visão "curtinha" da Física, não? Quem faz os programas não são os teóricos da Educação. Mas muitos dos professores que os fazem, sabem muito da sua disciplina, mas não sabem o que é a escola hoje. É muito diferente do que era quando comecei a carreira e também do que era no pós-25 de Abril. Tudo o que se passa na escola é consequência do que se passa na sociedade (a violência, a falta de rigor, o facilitismo, etc.) O que me aborrece (e eu nunca fui "teórica", fui sempre muito mais dada à prática), é que se diabolizem os teóricos da Educação; a teoria é importante, porque fundamenta ou abala a prática, faz reflectir; não pode ser uma "Bíblia" ou um "Corão" de fanáticos. Fundamentalismos nunca são saudáveis. Há que haver algum tempero...
Agradeço e retribuo o seu abraço.

Alberto Que Se Ri disse...

Eu vejo esta campanha contra o "eduquês", onde um dos principais mentores tem sido o Nuno Crato, como uma campanha política legítima. As pessoas que mais percebem de uma certa área não podem ser colocadas de lado no processo educativo e devem lutar, politicamente/democraticamente por merecer o seu espaço. E o que é certo é que tem tido algum
sucesso. A comunicação social fala do assunto; alguns projectos começam (muito) timidamente a juntar à mesma mesa - facto inédito nos últimos tempos - professores (os que sabem da prática de ensino), teóricos da educação e matemáticos (refiro-me apenas à área de que tenho informações mais concretas). Só com equipas desta natureza, onde a trindade educativa esteja equitivamente representada, é possível fazer algum trabalho interessante. Infelizmente tudo isto está ainda num estado muito embrionário: a APM (associação portuguesa de matemática) tem péssimas relações com a SPM (sociedade portuguesa da matemática) e o ministério da educação cometeu a proeza de se incompatibilizar com as duas.
Vamos ter esperança em dias melhores.

Abraços para Leiria

Rui